O presente artigo analisa recente decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que reafirma a impossibilidade de capitalização de juros em periodicidade inferior à anual nos contratos celebrados no âmbito do Sistema de Financiamento Imobiliário (SFI), à luz da Lei no 9.514/1997, da Lei da Usura (Decreto no 22.626/1933) e da jurisprudência consolidada da Corte Superior.
1. Introdução
A capitalização de juros — especialmente em periodicidade mensal — é prática comum em contratos bancários. Contudo, sua legalidade varia conforme o regime jurídico aplicável.
Em recente julgamento, o STJ reafirmou que não é admitida a capitalização de juros em periodicidade inferior à anual nos contratos regidos pela Lei no 9.514/1997, ou seja, aqueles firmados no âmbito do Sistema de Financiamento Imobiliário (SFI), ainda que exista cláusula expressa nesse sentido.
2. Contexto Fático e Jurídico
O caso envolveu contrato de compra e venda de imóvel com pacto adjeto de alienação fiduciária, firmado sob a égide do SFI. O consumidor pleiteou a nulidade de cláusula contratual que previa capitalização mensal de juros, alegando abusividade.
O Tribunal de origem acolheu o pedido, sustentando que a Lei no 9.514/1997 não autoriza a capitalização mensal, aplicando-se, portanto, o art. 4o do Decreto no 22.626/1933 (Lei da Usura), que veda a capitalização inferior à anual na ausência de autorização legal específica.
A instituição financeira recorreu ao STJ, alegando que, nos moldes da Súmula 539/STJ, a capitalização inferior à anual seria válida, desde que pactuada expressamente — o que, segundo ela, teria ocorrido.
3. Distinção entre SFN e SFI
O STJ negou provimento ao recurso, ressaltando uma distinção fundamental entre o Sistema Financeiro Nacional (SFN) e o Sistema de Financiamento Imobiliário (SFI).
Nos Temas Repetitivos 246 e 247/STJ, e na Súmula 539, reconheceu-se a validade da capitalização inferior à anual em contratos firmados com instituições do SFN, desde que posterior à edição da MP no 1.963-17/2000 (atual MP no 2.170-36/2001) e desde que pactuada de forma clara e expressa.
Contudo, o STJ destacou que tais precedentes não se aplicam automaticamente aos contratos do SFI, pois o regime legal é diverso.
Enquanto o SFN possui autorização legal expressa (art. 5o da MP no 2.170-36/2001), o SFI, regulado pela Lei no 9.514/1997, não dispõe sobre a periodicidade da capitalização.
4. Interpretação Estrita das Exceções
O art. 5o, III, da Lei no 9.514/1997 autoriza a capitalização de juros nos contratos do SFI, mas silencia quanto à periodicidade. Diante disso, aplica-se a regra geral do art. 4o da Lei da Usura, que permite a capitalização apenas anual. A interpretação do STJ se ancora no princípio hermenêutico de que exceções legais devem ser interpretadas restritivamente ("exceptiones sunt strictissimae interpretationis").
Dessa forma, não havendo autorização legal específica, como ocorre no SFN, prevalece a vedação da capitalização inferior à anual, mesmo que a cláusula tenha sido expressamente pactuada entre as partes.
5. Conclusão
A decisão do STJ reafirma o entendimento de que a capitalização de juros em periodicidade mensal é vedada nos contratos firmados no âmbito do SFI, ainda que expressamente prevista. A ausência de previsão legal específica quanto à periodicidade afasta a aplicação da jurisprudência relativa ao SFN, reforçando a segurança jurídica e a proteção ao consumidor.
Este posicionamento consolida a interpretação estrita das exceções legais e reafirma a necessidade de diferenciação entre os regimes jurídicos aplicáveis aos diversos sistemas de financiamento.
Sobre o autor:
Gabriel Henrique Ferreira da Silva, advogado especialista em direito processual civil e direito imobiliário.
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