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A terceirização da cobrança da dívida ativa

Com a eleição do primeiro presidente afro-americano da história dos Estados Unidos, após oito anos de governo republicano, muitos paradigmas estão sendo revistos no país

Com a eleição do primeiro presidente afro-americano da história dos Estados Unidos, após oito anos de governo republicano, muitos paradigmas estão sendo revistos no país - tais como as pesquisas com células-tronco, as relações internacionais e o papel do Estado. Dentre as revisões paradigmáticas levadas a cabo pelo governo Obama, destaca-se o fim da terceirização das cobranças tributárias, relatada por Elise Castelli no portal de notícias do governo federal daquele país em 4 de fevereiro com o título "IRS to review outsourced tax collection" (Receita Federal reverá a terceirização da cobrança).

Dos argumentos apresentados para a revisão da terceirização, é ressaltado o desperdício de dinheiro público para remunerar particulares por um serviço cujo custo e eficiência são menores quando prestado pela administração tributária, na proporção de US$ 32,00 arrecadados por dólar investido - ao passo que cobrança terceirizada arrecadou uma média de US$ 4,00 por dólar investido. O deputado democrata pelo Estado de Maryland, Steny Hoyer, líder da maioria na Câmara, aplaudiu a medida dizendo-se confiante que os resultados da revisão do procedimento de terceirização demonstrarão que o trabalho da arrecadação deve ser posto de volta nas mãos dos integrantes da administração tributária.

Não apenas o menor custo orienta a nova administração americana de pôr fim à terceirização da cobrança tributária. Outros fatores levaram a Receita Federal americana - a Internal Revenue Service (IRS) - a devolvê-la a seus funcionários, dando-lhes, mesmo, maior autonomia e flexibilidade para tratar dos casos. De fato, pesaram a eficiência e - por que não dizer? - a moralidade administrativa, pois, de acordo com um estudo do "Government Accountability Office" (Escritório de Contabilidade Governamental), constatou-se que alguns coletores terceirizados agiram de forma desnecessária contra contribuintes apenas para que pudessem alcançar suas metas de produção.

Observe-se, mesmo, que a "National Taxpayer Advocate" (Advocacia Nacional dos Contribuintes) - órgão que surgiu vinculado ao IRS com funções de ombudsman mas que evoluiu para um serviço governamental independente de defesa do contribuinte e fiscalização da administração tributária - luta pelo fim do programa de terceirização da cobrança, dizendo que a mesma é uma tentativa ineficiente de privatização das atribuições do IRS.

Aqui no Brasil, todavia, constata-se o inverso ao acima narrado com o disposto no artigo 55 da Medida Provisória nº 449, de 2008, ora sob o crivo do Congresso Nacional. Em descompasso com a prerrogativa constitucional atribuída pelo parágrafo 3º do artigo 131 da Constituição Federal, à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) possibilita-se a contratação, até mesmo sem licitação, de instituições financeiras públicas para executar o serviço de cobrança da dívida ativa da União, na modalidade denominada de cobrança amigável ou extrajudicial.

Ignora-se que a PGFN pode ser considerada um dos "escritórios de cobrança mais baratos do mundo", em face do valor arrecadado anualmente e de seu baixíssimo custo operacional: R$ 74,23 arrecadados por real investido durante o período de 1995 a 2006. Ou seja R$ 70 bilhões carreados à nação ao custo de R$ 943 milhões, conforme o estudo "Os números da Procuradoria da Fazenda Nacional", do procurador da Fazenda Nacional Marcos Antônio Gadelha, publicado em março de 2008.

Como curiosidade, não se encontra na Exposição de Motivos Interministerial nº 161, de 2008, que encaminhou a proposta de medida provisória, sequer uma menção a justificar o artigo 55. Obscura, destarte, sua conveniência, sua relevância e sua urgência. O que se ouviu como argumento de defesa do artigo 55 gira em torno da suposta expertise de cobrança das instituições financeiras públicas e do aproveitamento de sua ampla capilaridade. Contudo, contra o primeiro bastaria recordar a remessa dos créditos rurais pelo Banco do Brasil e do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) pela Caixa Econômica Federal para a cobrança pela PGFN. Quanto à capilaridade nada há de novo, pois os valores inscritos em dívida ativa já são pagos na rede bancária - portanto, não só junto às instituições financeiras oficiais federais - mediante guia Darf, que é remetida pela empresa mais vascularizada da República, isto é, por via postal através da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT), não se podendo deixar de mencionar, a propósito, a possibilidade de obtenção da guia através da internet, 24 horas por dia.

Quanto à possível inscrição de débitos da dívida ativa da União na Serasa, emprestará indevidamente um caráter privado a créditos públicos que já são objeto de cadastro próprio - o Cadastro de Inadimplentes (Cadin) -, assim como a adoção do método da telecobrança pode ferir a privacidade dos devedores. Nessa trilha, é bom lembrar que um dos primeiros municípios a utilizar o protesto de certidões da dívida ativa, como é o caso de São Vicente, na região da Baixada Santista, está deixando de fazê-lo ante a insignificância do aumento da arrecadação, pela pouca efetividade e por ter sido acionado e condenado - em todas as quatro ações contra si propostas frente às 228 certidões de dívida ativa protestadas - por danos morais causados a contribuintes que alegaram o fato de os entes federativos já possuírem um procedimento especial e adequado para a cobrança tributária, conforme noticiado pelo Valor.

No âmbito do Congresso Nacional, já há duas propostas para suprimir o artigo 55 da Medida Provisória nº 449, uma do deputado federal Antonio Carlos Mendes Thame (PSDB-SP), criticando o custo da proposta, e outra do senador Geraldo Mesquita Júnior (PMDB-AC), esse invocando a inconstitucionalidade, ilegalidade, irrazoabilidade e inconveniência do artigo, de sorte que resta aguardar pelo exercício do controle de constitucionalidade do dispositivo no Poder Legislativo.